A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou em
recurso repetitivo a tese de que a cláusula penal estipulada
exclusivamente contra o comprador de imóvel deve servir de parâmetro
para a indenização em caso de descumprimento das obrigações contratuais
pela empresa vendedora (por exemplo, se houver atraso na entrega da
obra).
No mesmo julgamento, também no rito dos repetitivos, o colegiado
definiu que não é possível cumular a cláusula penal por atraso na
entrega do imóvel com lucros cessantes.
As teses firmadas foram as seguintes:
Tema 970:
“A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo
adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor
equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes.”
Tema 971:
“No contrato de adesão firmado entre o comprador e a
construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas
para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a
fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações
heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em
dinheiro, por arbitramento judicial.”
Os quatro casos escolhidos como representativos das controvérsias
tiveram origem em ações movidas por consumidores em razão do
descumprimento de obrigação prevista em contrato de compra e venda de
imóvel.
As teses estabelecidas servirão para solucionar quase 178 mil ações
com as mesmas questões de direito que estavam sobrestadas nas instâncias
ordinárias à espera da posição do STJ, segundo informações do Banco
Nacional de Dados de Demandas Repetitivas e Precedentes Obrigatórios do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Tema 970
O relator dos recursos especiais repetitivos, ministro Luis Felipe
Salomão, explicou que a cláusula penal moratória tem natureza
eminentemente indenizatória, quando fixada de maneira adequada. Segundo
ele, havendo cláusula penal para prefixar a indenização, não cabe a
cumulação posterior com lucros cessantes.
“A cláusula penal constitui pacto secundário acessório – uma condição
–, por meio do qual as partes determinam previamente uma multa
(usualmente em pecúnia), consubstanciando indenização para o caso de
inadimplemento absoluto ou de cláusula especial, hipótese em que se
denomina cláusula penal compensatória. Ou ainda, como no presente caso,
pode ser estabelecida para prefixação de indenização para o
inadimplemento relativo (quando ainda se mostrar útil o adimplemento,
ainda que tardio, isto é, defeituoso), recebendo, nesse caso, a
denominação de cláusula penal moratória”, afirmou.
Salomão citou precedente que considera a cláusula penal um pacto
acessório pelo qual as partes determinam uma sanção de natureza civil
para garantir o cumprimento da obrigação principal, além de estipular
perdas e danos em caso de inadimplemento parcial ou total de um dever
assumido (REsp 1.186.789).
De acordo com o relator, o mais usual é a previsão de incidência de
multa por mês de atraso. Todavia, Salomão destacou que há casos em que a
previsão contratual de multa limita-se a um único montante ou
percentual para o período de mora, o que pode ser insuficiente para a
reparação integral do dano (lucros cessantes) daquele que apenas aderiu
ao contrato, conforme o princípio da reparação integral.
Ainda assim, frisou o ministro, “em nome da segurança jurídica”, e à luz do disposto no artigo 416
do Código Civil, as partes da relação contratual não podem ignorar a
cláusula penal moratória convencionada, prefixando os danos regulares do
cumprimento imperfeito da obrigação.
Por outro lado, segundo Salomão, mesmo em contrato de adesão, quando
não demonstrado dano além dos regularmente esperados da inadimplência,
não pode a vendedora/incorporadora “simplesmente requerer indenização
suplementar àquela estabelecida no instrumento contratual que redigiu”.
Durante o julgamento, ao decidir questão de ordem, o colegiado
aprovou, por unanimidade, que não seriam aplicados os dispositivos da
Lei 13.786/2018 para a solução dos casos em julgamento.
Tema 971
Ao analisar a possibilidade de inversão da cláusula penal estipulada
exclusivamente para o adquirente em desfavor da construtora, nos casos
de atraso na entrega de imóvel, o ministro Salomão ressaltou que a
tendência mundial é a de se exigir reciprocidade entre as penalidades
impostas ao consumidor e ao fornecedor de determinado produto.
“Seja por princípios gerais do direito, ou pela principiologia
adotada no Código de Defesa do Consumidor, seja, ainda, por comezinho
imperativo de equidade, mostra-se abusiva a prática de se estipular
penalidade exclusivamente ao consumidor, para a hipótese de mora ou
inadimplemento contratual absoluto, ficando isento de tal reprimenda o
fornecedor em situações de análogo descumprimento da avença”, observou.
No entanto, para o relator, a simples inversão da penalidade
contratual poderia dar origem a enriquecimento sem causa do adquirente
do imóvel.
“A inversão, para determinar a incidência do mesmo percentual sobre o
preço total do imóvel, incidindo a cada mês de atraso, parece não
constituir – em verdade – simples ‘inversão da multa moratória’, podendo
isso sim representar valor divorciado da realidade de mercado, a
ensejar enriquecimento sem causa”, disse.
Para o ministro, só haverá adequada simetria para a inversão da
cláusula penal contratual se houver observância de prefixação da
indenização em dinheiro pelo período da mora.
“Nos casos de obrigações de natureza heterogênea (por exemplo,
obrigação de fazer e obrigação de dar), impõe-se sua conversão em
dinheiro, apurando-se valor adequado e razoável para arbitramento da
indenização pelo período de mora, vedada sua cumulação com lucros
cessantes. Feita essa conversão, geralmente obtida por meio de
arbitramento, é que, então, seria possível a aplicação/utilização como
parâmetro objetivo – para manutenção do equilíbrio da avença”, explicou.
Salomão ressalvou ainda que a multa compensatória referente à obrigação
de pagar (de dar) não poderá, por questão de simetria, incidir sobre
todo o preço do imóvel que deveria ter sido entregue (obrigação de
fazer). O ministro observou ainda que, como a cláusula penal
compensatória visa indenizar, não é possível a cumulação com lucros
cessantes.
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