Até onde você pode confiar nas
pessoas? Legisladores, psicanalistas, escritores e teledramaturgos
exploram esse tema à vontade. Na dúvida, prefira a lei.
A procuração é um instrumento de extrema utilidade para a vida
prática, e serve para objetivos simples como fazer matrícula ou
inscrição em uma faculdade, dar poderes a um advogado, casar ou até
mesmo registrar uma criança. Para pequenas ou grandes empreitadas,
que envolvam poucos recursos ou até altas somas em dinheiro. Quem
outorga uma procuração é o outorgante ou mandante. Quem recebe uma
procuração é o outorgado, ou mandatário. Ou ainda, e mais popularmente
conhecido, procurador. Portanto, o procurador é aquele que ficou
responsável por uma tarefa, mediante a outorga de uma procuração.
Ainda no artigo anterior,
vimos que a procuração pode ser pública – quando é feita em cartório –
ou particular, documento escrito pelo mandante, com firma reconhecida.
Também vimos que a necessidade de uma ou outra depende dos objetivos da
procuração. As procurações têm ainda suas tipologias. Há quatro tipos
principais. Dois deles são os mais utilizados, e prepare-se para usar o
seu latim: a “procuração ad judicia” e a “procuração ad negotia”.
Vamos entender o que significam esses nomes. Ad Judicia significa “para coisas da justiça”. Uma procuração ad judicia
é, portanto, aquela que se outorga para um advogado, por instrumento
público ou privado, habilitando-o a praticar atos necessários a um
processo. Já a expressão ad negotia, é fácil adivinhar,
significa “para negócios”. Essa procuração é extrajudicial, outorgada
para a administração de negócios; pode ser confiada a um profissional
que atue na área do negócio específico em que a transação vai ocorrer,
ou para quem se desejar outorgar. Essa procuração pode se referir a um
procedimento único, ou conferir amplos e até irrestritos poderes para o
procurador.
Ao assinarem uma
procuração, os dois – outorgante e outorgado ou mandante e mandatário –
assumem uma série de responsabilidades, claramente definidas pelo Código
Civil. Justamente por ser um instrumento de extrema interdependência,
em que vigora a confiança que uma pessoa tem na outra, deve haver
transparência nas intenções, pois além de envolver assuntos de negócios
ou processuais, o aspecto emocional está latente.
Não por acaso é
justamente esse aspecto emocional que é fartamente explorado nos dramas
novelescos. Um exemplo recente foi o da novela Passione, de
Silvio de Abreu. Totó – interpretado por Tony Ramos – é um pai de
família que vive na Itália. Totó não sabe, mas ele é filho de Beth
Gouveia – Fernanda Montenegro – mulher poderosa que acabou de ficar
viúva de um magnata da indústria, no Brasil. Antes que Totó pudesse
saber a novidade, justamente a de ser o novo herdeiro de um império, um
casal de golpistas sai do Brasil rumo á Itália para tentar arrancar de
Totó o direito às empresas. O casal de vilões é formado por Clara e
Fred, personagens interpretados por Mariana Ximenes e Reynaldo
Gianecchini. Bonitona, Clara enreda Totó, o coloca em uma armadilha
emocional e consegue o quê dele? Uma procuração! Bastou para os
primeiros capítulos se tornarem um sucesso!
De volta à vida real,
certos episódios são mais impactantes do que as novelas. O mundo
político está repleto deles. Em meio às disputas eleitorais, no ano
passado, uma trupe conseguiu criar a maior confusão realizando uma
falsificação medíocre de uma procuração. O pior é que a tal procuração
foi usada para providenciar a quebra do sigilo fiscal da filha do
candidato José Serra, Verônica Serra.
Fatos apurados, verificou-se
que as adulterações eram gritantes. Por exemplo, o nome do tabelião
estava grafado errado; não havia número do cartão de assinatura – pois
ao se realizar uma procuração pública é necessário o cartão de
assinaturas, para o chamado “reconhecimento de firma”. Além do mais, a
assinatura da escrevente era falsa e a marca holográfica constante
também era falsa. Ou seja, golpistas não aparecem apenas nas novelas.
A partir do momento em que
assina uma procuração, o mandante tem toda a sorte de responsabilidades
em relação ao documento que ele outorga e até em relação aos atos do
procurador. Quanto mais o procurador agir de acordo com o documento
assinado, ou seja, de acordo com a vontade do mandante, menos ele é
responsabilizado pelos resultados das ações empreendidas. Por outro
lado, claro, se o procurador “pisar na bola” e agir com excesso de
poder, e havendo prejuízos, ele deverá ressarcir todas as pessoas
envolvidas.
O procurador tem seus
direitos. Por exemplo, o direito a ser ressarcido de prejuízos que
porventura tenha com a execução das tarefas; isso, obviamente, se o
prejuízo não for por sua culpa. Aliás, se o procurador tomar uma
providência envolvendo outras pessoas, como uma contratação, por
exemplo, mesmo que tenha sido contra a vontade do mandante, mas se essa
ação estava prevista na procuração, o mandante deve arcar com as
responsabilidades.
Como se pode perceber, a
procuração pode ser um instrumento muito simples em alguns casos, a
depender do objetivo a que se presta. Mas pode ser muito complexa e
repleta de detalhes importantes. Por isso, um advogado é o profissional
mais indicado quando se vai elaborá-la, inclusive naquelas em que se
deve delimitar muito bem a extensão do poder que se entrega a outro.
O problema é que, mesmo com
todo o cuidado na elaboração, algumas pessoas se esquecem rapidamente
daquilo que assinam. Mais do que isso, não sabem lidar com o mínimo de
poder e dinheiro que lhes caem nas mãos.
Quer um exemplo trágico?
Imagine um profissional brilhante, formado em medicina, professor
universitário e pesquisador da Organização Mundial de Saúde, em Genebra.
Ele é Jean-Marc, casado, com duas filhas. Quem não confiaria numa
pessoa assim? Pois foi com reiteradas “cartas brancas” dos amigos e
parentes, para que ele investisse altas somas de dinheiro na Suíça, que
esse suposto médico – nem a faculdade de medicina ele terminou – segurou
uma farsa que durou 18 anos! Ele gastava absolutamente tudo para manter
seu estilo de vida e, nas horas em que deveria trabalhar ou viajar,
perambulava pelas ruas, praticamente sem destino.
O fato real, ocorrido na
França em 1993, virou livro intitulado O Adversário – L’ Adversaire – do
escritor Emmanuel Carrère e filme super premiado da diretora Nicole
Garcia, ambos também franceses. O “adversário”, no caso, era um “outro”
dentro do suposto médico que transgredia toda e qualquer noção de ética e
que pôde vir à tona com a facilidade com que o dinheiro lhe caia nas
mãos. O fim é trágico e real: para se livrar da situação que,
obviamente, começou a se tornar insustentável, ele comete vários crimes.
Tragédias à parte, o ideal é
se acercar de todas as prerrogativas da lei. E vale lembrar, mais uma
vez: sempre que se autoriza um terceiro, seja ele quem for, há de se ter
em conta a transparência e a confiança mútua. Ivone Zeger.
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